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Psicogerontologia e a Velhice Contemporânea

As diferentes ciências sempre buscaram conhecer o homem em seus múltiplos aspectos, sendo a psicologia uma destas ciências. Isto não é diferente nos dias de hoje, onde o envelhecimento da sociedade é uma realidade que não podemos negar, nem tão pouco deixar de observar os impactos que este fenômeno tem para o homem, principalmente na sua subjetividade.

A Gerontologia, como ciência que estuda a velhice e o processo de envelhecimento, não poderia deixar de buscar o olhar para a subjetividade dos que envelhecem, apoiando-se na psicologia.

A psicologia como ciência, tem a priori o entendimento da subjetividade humana e suas vicissitudes na busca de aliviar o sofrimento daqueles que padecem

Entendemos por subjetividade o universo psíquico do individuo, onde transitam suas emoções, sentimentos, pensamentos, ideias e experiências adquiridas. Estas sofrem influencia direta da cultura, religião, crenças, valores e conceitos assimilados ao longo de nossas vidas. Sendo a psicologia a ciência que estuda e busca compreender o homem a partir desta complexa rede, tem na psicogerontologia sua base para a compreensão dos fenômenos psíquicos que resultam de uma existência longa, muitas vezes acompanhada por limitações e perdas características das velhices avançadas.

Podemos perceber através dos discursos contemporâneos sobre a velhice, que viver muito este intimamente ligada a certa satisfação da humanidade, que através das suas conquistas sociais, conseguiu vencer a natureza, prolongando a vida do homem. Em alguns momentos é possível notar ate mesmo uma visão romântica do que seja viver 90, 100 anos, mostrando super-idosos, tatuados, lançando-se em aventuras e em novas vivencias afetivas.

Trabalhei por 14 anos em uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI) e há seis anos trabalho com gestão de cuidados a idosos frágeis, ou seja, são 20 anos trabalhando com idosos e suas fragilidades. Isto me fez ver que nem sempre a longevidade vem acompanhada deste romantismo e glamour que a sociedade e a mídia tentam nos vender.

Para mostrar outra face da velhice longeva, vou contar a vocês um dos muitos episódios que vivi ao longo destes anos. Uma das moradoras da ILPI , onde trabalhava , estava comemorando seu 100º aniversário, e todos da instituição preparamos uma festa com bolo, balões, presentes e muitos convidados. Naquele dia quando toda a festa já pronta esperando sua homenageada fui convocada para ir buscar, em seu quarto, a aniversariante. Bati na porta do quarto, entrei calmamente, chamei-a pelo nome e disse a ela que todos estávamos muito felizes em estar comemorando este numero de anos, 100 anos, que como disse, pareceu na época ser um ganho e uma satisfação para todos nos, mas que para ela não era percebido desta forma. Esta senhora, de 100 anos, que aparentemente não demostrava nenhuma limitação funcional ou cognitiva, virou-se e disse: “Você sabe o que é ter 100 anos?”, eu na minha ignorância diante do que vivia, disse: “não sei”. Ela então disse: “então vou lhe dizer, ter 100 anos e não reconhecer o mundo como seu não ter mais amigos, porque muitos já se foram, é não tem mais força suficiente para entender as pessoas e o mundo como foi na juventude”. Depois pediu que eu saísse e que não queria festa, pois o que gostaria mesmo é de encerrar sua existência e descansar para sempre. E finalizando sua fala disse: “viver muito cansa, e como cansa”. Depois disto entendi que viver muito, nos que ainda somos jovens pode ser uma fantasia de prazer, mas que para os velhos, pode ser algo difícil e cansativo. Claro que tive outras vivencias de idosos muito idosos, com 100 anos ou mais que estiveram plenos ate o fim e que apesar disto diziam como a aniversariante da historia, ser cansativo.

O processo de envelhecimento é um caminho diferente para cada um de nos, apesar de vivenciamos alguns aspectos que podem ser comuns na velhice, tais como os cabelos brancos, as rugas, a perda da força física, a aposentadoria e, finalmente a morte, este momento apresenta diferentes dimensões para cada sujeito, podendo ser suave para alguns e para outros uma trajetória árdua e difícil. Estas transformações, que prefiro nomear como mutações, são vividas por cada um diferente, gerando sentimentos e sensações únicas. Somos então mutantes que vivenciam a velhice de forma única, mantendo uma relação com nosso corpo e subjetividade.

A partir disto, um olhar da psicogerontologia para o homem se faz necessário, já que somos únicos na relação com o mundo e com as coisas. Não podendo esquecer que a velhice, assim como as marcas que caracterizam este momento singular da vida, é a prova da destruição do corpo, da finitude que negamos ao longo da vida. Talvez seja este o ponto crítico quando olhamos para o sujeito velho.

Margherita de Cassia Mizan

Psicogerontologa

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